Oi, como vai você? Eu sinceramente espero que você esteja bem.
Cada uma das pessoas que recebe essa carta, seja por e-mail, seja através de um link, cada uma é muito importante para mim. Conversar com você aqui se tornou um exercício diário. Escrever essa carta se tornou prática diligente de observação. A partir do momento em que assumi que queria conversar semanalmente com alguém dessa maneira contemporaneamente epistolar, passei a tentar enxergar o mundo diferente. Bem, eu já enxergo o mundo diferente por razões físicas. Sou cego do olho esquerdo, o que me permite uma mira muito boa com o olho direito (já tirei uma goiaba do pé com um estilingue sem machucar a fruta) e uma deficiência na percepção de profundidade.

(A foto acima é do blog de uma universidade. Na publicação, um professor de física quântica explica a relação da matéria com fotos granuladas. Estética que muito me agrada. Encontrei a página procurando fotos para mostrar para vocês um pouco de como eu enxergo, por questões fisiológicas, o mundo)
Acho que posso usar minha deficiência na percepção de profundidade para o conteúdo que compartilho com você por aqui, o que acha? Nem sempre as cartas me agradam. Eu diria que quase nunca me agradam. Mas me agrada muito corresponder, receber respostas e responder de volta com carinho. Eu sempre fui falador, mas por não perceber a vontade grande que eu tinha de ouvir. Como na minha casa não existiam muitos contadores de história, percebo agora que eu talvez falasse só para ouvir uma voz, mesmo que essa voz fosse a minha e contasse as histórias mais absurdas. Acho que eu mudava rápido o curso da conversa comigo mesmo para tentar me enganar… Faz algum sentido? Esse antelóquio confuso serve para te agradecer. Obrigado por conversar comigo. Quero te ouvir (e ler) cada vez mais.
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Sete de setembro, muitas discussões patrióticas e comemorações pela independência do Brasil e pelo feriado prolongado. Feriado é muito bom. É curioso como a gente aproveita. Final de semana também é bom, mas tem toda semana. O feriado é especial. É o júbilo da vagabundagem. É o estado contemplativo manifesto no calendário. Feriado é muito bom.
Neste em específico fui para o campo. Lá pisei descalço na terra, fui mordido por uma ampla variedade de animais, farpas entraram nas minhas mãos e observei crianças e abelhas.
Virgílio, no poema As Geórgicas, dedica um capítulo inteiro às abelhas. Hercílio, homem que me recebeu em casa, também dedica tempo ao cuidado das abelhas. Com algumas caixas espalhadas pela propriedade, ele tira mel para vender. O mel é silvestre, as abelhas são do gênero apis. Mas na casa em que ele mora com a esposa, tia da minha noiva (beijo, meu amor) a caixa é de outro gênero de abelha. Melipona, uma abelha sem ferrão. “Fica tranquilo que essa abelha não morde“.

A mãe de uma grande amiga também cria algumas abelhas dessas em casa. O mel dessas abelhas é diferente. A forma como elas constroem as colmeias também é diferente. Dá menos mel.
Eu perguntei para Hercílio por que ele estava criando também aquelas abelhas diferentes. Por produzirem menos mel, apesar dele ser mais caro, eu achei que não valeria a pena para ele criar aquelas abelhas. “É um bichinho bonitinho de ter em casa, não morde”, foi o que ele me respondeu. E de vez em quando dá mel. E o mel é mais caro.
A primeira razão é o bicho ser bonitinho. Se der lucro, beleza.
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Eu li em outra newsletter que o capítulo dedicado por Virgílio às abelhas era a parte mais misteriosa da obra do poeta. Ela poderia ser uma metáfora para o padrão da construção de uma sociedade perfeita para Roma. Mas o leitor interpreta que apesar das qualidades, as abelhas também mostravam defeitos irreparáveis, como a Guerra. O tema já foi tratado em uma outra carta. Acho que ele deve aparecer com frequência.
O apicultor do poema termina a guerra de abelhas com uma mãozada de terra. Mata a Rainha mais fraca pelo bem da colmeia. As guerras humanas não são tão simples assim. Essa não é uma solução.
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Por recomendação do amigo Rafael Porto, da correspondência frequente por e-mail ao lado, comecei a ouvir o podcast Noites Gregas, em que um professor Cláudio Moreno conta de uma forma muito divertida as aventuras dos deuses do Olimpo. Ele também explica conceitos da mitologia. Sem indicação, bem por acaso, fui parar em outro podcast. Dessa vez mais narrativo, sobre uma repartição pública sobrenatural, até onde eu consegui entender. Muito legal, se chama Arquivista Fantasma. Mas não é muito de terror não, é mais daquelas lendas urbanas, uma história que o amigo de um amigo do seu contou para ele e ele resolve te contar durante a noite antes de você atravessar a escuridão do quintal para ir para casa. Ok, isso foi bem específico, eu sei.
Ainda em narrativas de aspecto ectoplásmico, eu volta e meia encontro incríveis sequências de tuítes com histórias de terror. Sempre fico muito impressionado. E bem impressionado. Mas têm uma característica curiosa essas produções. Elas só aparecem para mim à noite. Naquele momento em que você já está enxergando através da membrana do sonho. Eu rolo a linha do tempo e me aparece ali. Acho que é porque eu uso o twitter de forma a aparecer as publicações mais recentes e os microbloggers escolhem o horário por oportunidade. Mas nem quando eu procuro durante o dia eu acho, então também pode ser uma maldição eletrônica. Sempre tive curiosidade sobre se máquinas também poderiam ser fantasmas. Ou possuídas por fantasmas & demônios & Sinteco Gelado & Mochila de Criança. Sempre achei os nomes para O Mau muito curiosos. Acho que já fiz uma lista, mas não vou me alongar aqui porque de repente posso ficar com medo.
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Li a palavra “Mitobiografias” em um trabalho acadêmico sobre a música Joquim, de Vitor Ramil. Não li muito sobre o conceito, mas fica aqui o lembrete para mim mesmo de algo que eu devo explorar mais futuramente. Aceito sugestões, caso as tenha.
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Em Vitória faz calor lá fora, mas o vento gelado refresca a casa.
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Experimentei um novo formato, velho conhecido de alguns amigos, no novo episódio do Gato com Chapéu de Alumínio. Ficaria feliz se você pudesse dar uma chance para o novo episódio do podcast, que considero o telefonema desta cartinha, já que por lá você ouve a minha já meio gasta voz. Vou deixar por aqui o link para o Spotify, mas caso você use outro tocado, não é difícil achar por lá também
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Espero que você tenha gostado. Se gostar, peço a gentileza de compartilhar com amigos que também possam curtir essas bobagens todas.
Caso você tenha chegado aqui através de um desses compartilhamentos, que tal assinar e não perder nenhuma das correspondências mais loucas da internet.
Siga com bravura, siga com cuidado.
Adeus
A presente epístola começou a ser escrita e parou de ser escrita por pelo menos três vezes. Mas as ideias já estavam todas alinhadas, só precisavam de um pouco mais de espaço para se conhecerem melhor. Mesmo que você me conheça melhor a cada correspondência, não custa lembrar que sou o Wing Costa, mas você já sabia disso.