Olá, camarada!
A newsletter de hoje atrasou. Como atrasará também o Gato Com Chapéu de Alumínio, podcast que faço com muito carinho e ebriedade com minha amiga artista Leila Kelly. O almoço também vai atrasar, porque escrevo aqui no horário em que deveria estar comendo, mas ainda não preparei nada. Mas o que é o tempo, além de voltas no relógio e da força motriz do universo que nos compreende e enxerga nosso passado, presente e futuro como uma linha reta em direção ao infinito.
Viktor Barisovich Chlovsky define a arte da seguinte maneira: "o hábito devora trabalhos, roupas, móveis, esposas e o medo da guerra. A arte existe para que possamos recuperar a sensação de estarmos vivos, existe para fazer-nos sentir coisas, para tornar a pedra dura. O objetivo da arte é nos proporcionar a experiência das coisas tal como as percebemos, não como as conhecemos".
O trecho acima parece uma citação muito chique e cabeçuda, mas eu não faço ideia de quem seja o Viktor que falou isso aí. Eu li isso em um livro chamado A Arte da Ficção, do escritor e crítico literário David Lodge. Esse livro me foi emprestado por um amigo e em seguida roubado com minha mochila. Furtado, porque o sujeito só pegou e levou.
Mas o hábito da citação acima sempre esteve em minha cabeça como o tempo. Por isso eu sempre demoro horrores para achar essa citação internet a fora. É o tempo quem devora trabalhos, roupas, móveis, esposas e o medo da guerra. Heráclito se tornou meu filósofo favorito depois que eu aprendi alguma coisa sobre ele. Morar com um amigo professor de filosofia deve servir para algo, afinal. Heráclito tem vários apelidos, um deles é “O Obscuro”, mas um bem legal é “O Filósofo do Fogo”. Essa turma dos antigamente pensava muito sobre do que era feito o universo e associava essa matéria a elementos da natureza. Uns falavam sobre a água ou o ar, o Heráclito falou do fogo. E usou o fogo como metáfora para o movimento e, portanto, para o tempo. O fogo é o movimento constante. Não existe fogo parado. Nem nas fotos o fogo sai paradinho, uma falta de educação. Não existe tempo parado. O tempo segue e a roda da história só gira para frente, o que por muitas vezes me consola, mas eu lembro também da brevidade da minha vida e fico puto porque não me basta que o presidente inescrupuloso seja tratado assim apenas nos livros de História. Pra mim ele já devia estar preso desde que falou que tinha que matar não sei quem em não sei que programa bizarro da televisão brasileira. Desculpem, não queria descambar para minhas agruras políticas, retomemos a narrativa.
Eu sempre me julguei bom de metáforas e comparações. Inclusive por muito tempo achei que isso fazia de mim matéria-prima de um escritor no futuro. Bons escritores são ótimos com metáforas e comparações. Eles usam palavras para nos pegar pela mão e nos levar por um caminho cheio de pequenos detalhes e através desses detalhes tentam nos mostrar um pensamento. Qual a forma de um pensamento? As palavras de alguns escritores dão forma a eles. Vou tratar só de escrita aqui porque lá em cima o tal Viktor Barisovich Chlovsky já definiu a arte para a gente e vamos tratar desse conceito de arte aqui nesta correspondência, tá? (Mas me enviem outros conceitos como resposta, adoro).
Mas aí quando eu digo para vocês que quando eu me sinto perdido, e isso acontece com muita frequência, digo que me sinto submerso, afogado, sem conseguir respirar, eu sempre uso a água como metáfora perfeita para sentimentos confusos - sim, isso é uma pequena reciclagem de um episódio do podcast Saturado, do qual ainda tenho roteiros para gravar mas não criei coragem para voltar com medo de parar de novo - eu estou mais uma vez usando uma comparação. E eu tento fazer com que essas comparações sejam as mais justas possíveis. Mas percebi recentemente que isso pode até ser bonito no papel, uma característica bem bacana para construir narrativas, nem sei se é, não entendo nada de literatura, mas a professora do ensino médio gostava de mim. Mas talvez não seja bom para falar sobre os nossos sentimentos de verdade.
Eu posso sim dizer para vocês que quando estou em crise depressiva minha consciência parece uma pele muito queimada de sol, sensível a qualquer toque, e por isso eu vivo pelos cantos meio choramingando sem querer falar muita coisa. Mas o que é uma crise depressiva pra mim? Quem sou eu enquanto pessoa em crise? É dolorido falar de si mesmo na primeira pessoa. Uma vez me disseram, num momento bem particular que é como um filme passando na minha memória, que eu não estava triste, eu era triste. Muito tempo depois associei isso ao diagnóstico de Distimia que recebi.
Distimia aparece na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como Classificação Internacional de Doenças –
CID 10
) na categoria F34 - Transtornos de humor (afetivos) persistentes. Está pertinho do F33 - Transtorno Depressivo Recorrente e do F38 - Outros Transtornos do Humor (afetivos). Imagina que vizinhança divertida.
Eu ainda não sei responder diretamente à quem me pergunta como estou, também não sou dos melhores para falar como me sinto sem recorrer a essas maravilhosas muletas narrativas, mas depois de perceber isso, talvez eu faça algumas tentativas para mudar. Mas não acho que vou perder a charmosa característica de me distanciar de meus sentimentos através de textos intricados cheios de referências nebulosas como Heráclito. Eu só acho engraçado que Heráclito era conhecido como Filósofo do Fogo mas uma de suas frases mais conhecidas fala que a pessoa não pode se banhar duas vezes no mesmo rio. Isso quer dizer que quando a pessoa se banha mais uma vez, o rio já não é mais o mesmo. Ele seguiu seu curso, como o tempo invariavelmente segue. Mas diferente de rios, o tempo não pode ser destruído pelo ser humano. Talvez ele possa ser poluído de memórias espúrias, mas aí não seria o tempo como entidade, e sim o tempo como marca indelével na vida dos indivíduos. Contudo, divago.
Não estava no meu planejamento falar tudo isso aí. Era para ser um boletim (ainda procuro palavra melhor) bem mais leve, mas eu sempre acabo seguindo o tortuoso e labiríntico caminho da minha cabeça quando me sento para escrever. O que eu queria falar mesmo é que a Netflix, aquele serviço de streaming audiovisual, é na realidade uma das melhores produtoras de playlists - seguindo paralelamente em competição duríssima com meu amigo Matheus Bonela - que existem. Às vezes a série original do serviço é até meio ruim, mas a trilha sonora é sempre impecável. Eu digo isso após três temporadas de Lovesick, que não é o que podemos chamar de ótima série, mas me divertiu e me distraiu o suficiente durante os 20 e poucos minutos de cada episódio, além de me oferecer ótimas reflexões, perdão pelo ensimesmamento do momento, como a das metáforas como afastamento da expressão real de sentimento. Talvez seja uma reflexão equivocada, mas te convido a pensar sobre isso e me responder o que você acha de verdade.
Bom, voltemos à capacidade da Netflix de criar playlists incríveis em forma de trilha sonora. Ontem vi alguém reclamar no Twitter que as descobertas da semana do Spotify estava horrendas. Isso é comum. O Spotify é um serviço bem cômodo para ouvir músicas (e mais recentemente podcasts, mas sigo um pouco resistente porque a organização do feed é uma palhaçada), mas é um serviço que beira o inútil quando se trata de recomendação. Já descobri músicas mais legais esquecendo o Youtube aberto que procurando no Spotify. Dito isso, caso você não queira ser negativamente surpreendido mais uma vez por esse serviço de músicas desastroso, recomendo fortemente a TRILHA SONORA DE COWBOY BEBOP, que entrou no catálogo do streaming há uns dois dias. Sou tão fascinado pelo anime e ainda mais pela trilha sonora que os amigos Marcus Vinícius e Matheus me enviaram a notícia de que a OST tinha sido disponibilizada. Agradeço a lembrança. Recomendo que ouçam a trilha sonora e vejam o anime. Se fizerem isso, compartilhem a experiência comigo. Vou adorar.
Espero que você tenha gostado. Se gostar, peço a gentileza de compartilhar com amigos que também possam curtir essas bobagens todas. Caso você tenha chegado aqui através de um desses compartilhamentos, que tal assinar e não perder nenhuma das correspondências mais loucas da internet.
Siga com bravura, siga com cuidado.
A presente epístola começou a ser escrita durante meu horário de almoço nesta terça-feira. Ainda não sei o que vou almoçar. Mas lembrei de ouvir a ótima playlist com a trilha sonora de Cowboy Bebop. Eu sou o Wing Costa, mas você já sabia disso.