Olá você que recebe esta carta de onde quer que esteja. Já algum tempo eu tento começar essa correspondência e falho. Por mais que eu queira manter uma frequência razoável para essa publicação, a vida tem me apresentado algumas dificuldades, então eu começo com uma notícia da minha vida, tipo as hérnias cervicais que apareceram recentemente, mas não consigo dar muita continuidade porque as coisas seguem acontecendo o tempo todo. Muitas coisas acontecem o tempo todo, já reparou?
Umas três vezes comecei a escrever essa carta, nessas várias vezes eu parei porque, como eu disse anteriormente, coisas acontecem o tempo todo. Mas agora, neste exato momento em que te escrevo, eu encontrei uma informação aleatória o suficiente para dar e uma coisa específica para reclamar, então acho que tenho os dois elementos principais para costurar essa narrativa sem o risco de morte por tédio. Sem dúvida uma forma de morrer.
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Bebês elefantes
No Quênia existe um orfanato de bebês elefantes. Não só de bebês elefantes, mas também de bebês rinocerontes. Lá nesse lugar eles são cuidados até conseguir se juntar aos seus parentes numa manada. Não tenho certeza se o coletivo de elefantes é manada, mas seguimos. Existem pessoas que cuidam desses bebezinhos, e no início desses cuidados, essas pessoas tiveram problemas para dar mamadeira para os bebês elefantes. Imagina a fofura que não é essa dificuldade. Enquanto escrevo essa parte, estamos em uma segunda-feira. O tratador de elefante saindo de casa no Quênia pensando “e lá vamos nós dar essa mamadeira pro bebê elefante, que dia difícil terei pela frente". Até que em algum momento um dos bebês elefantes entrou numa tendinha, dessas de criança, e se sentiu muito confortável. O bebezinho elefante se esfregou e fez carinha de feliz e então tentaram dar a mamadeira pra ele. E ele adorou. Esse é um resumo meio mal enjambrado de como os cuidadores de elefantes órfãos do Quênia descobriram que os nenéns sentiam falta do calor da mãe. Foi assim que os elefantes deste orfanato ganharam lindos cobertorzinhos.
Eu cheguei até essa história depois de saber um outro fato curioso sobre bebês elefantes. Talvez até mais legal e fofo que os cobertorzinhos. Bebês elefantes chupam suas trombas da mesma forma que um bebê humano chupa o dedo ou curte uma chupeta. E aparentemente pelo mesmo motivo. Conforto. Esse hábito pueril transporta os nenéns para situações de proximidade e carinho direto com as mamães elefantes. Além disso a tromba dos bichões aí tem 50 mil músculos diferentes, então demora um tempo até eles aprenderem a usar a tromba para o que ela realmente serve. Apesar de não ser tão ruim o fato dela ser usada para acessar esse conforto, não é mesmo?
De alguma forma chupar a tromba oferece o mesmo conforto de um bebê que chupa o dedo, somos todos mamíferos com grandes estímulos orais desde muito cedo. É curioso como isso é apenas um reflexo físico do que buscamos de algum vazio que nós sentimos ainda sem muita consciência do universo do qual passamos a fazer parte.
Consciência do universo
Eu vivo olhando tudo ao redor, admirado com a complexidade da vida. Para mim é muito incrível que os seres humanos andem por aí em carros e voem em aviões e atravessem os mares de navio. Antes os navios eram de madeira. E tava lá os seres humanos. E os pardais nos navios de madeira. É uma história antiga que eu escuto, que os pardais vieram de Portugal nos navios e agora eles são uma praga. Talvez seja a mesma história com as pombas.
Eu vivo o tempo todo tentando estar consciente neste universo. É incrível viver onde eu vivo. Tento olhar tudo como se o mundo se revelasse inteiro naquele olhar meio despreocupado sobre os carros que passam na movimentada avenida perto da praia. E aí penso sobre as pessoas, os carros, a praia, a avenida e o mar. E vivo aquele momento ali.
Eu tenho uma certa dificuldade de aceitar o misticismo que nos acomete neste começo de milênio. Uma espécie de tentativa de afastamento do jovem místico que circula pelos mais variados espaços. Mas tenho eu mesmo me tornado de alguma forma místico, partindo de algum conceito de energia. Boa energia ou energia ruim. Lugares cheios, impregnados, de energia. Os jovens místicos falam sobre uma virada de sensibilidade na esquina dos trinta anos. Eu virei essa esquina recentemente, estou começando a pensar de forma diferente sobre essas místicas energias que nos cercam. Talvez eu esteja buscando apenas uma forma mais disfarçada de ciência para falar sobre essas coisas de energia sem parecer um neo-hippie-budista maluco, então me jogo em textos de filosofia e psicanálise, podcasts que explicam essa infinidade de conceitos e me dão algum conforto sobre não ser um jovem místico.
E aí quando eu estou quase orgulhoso de mim mesmo por não ser como esses outros jovens místicos por aí, me dou conta de que estou pensando sobre quando é que a gente se percebe consciente, sobre a ligação evidente entre tudo que acontece com o corpo e com a cabeça, sobre sentimentos bons e ruins terem efeito direto sobre a minha musculatura e as vontades do meu corpo. Sobre como cada molécula que existe no mundo se organiza das mais variadas formas para que existam o mar, a praia, a avenida, os carros e as pessoas. E como, dentro das pessoas, essas moléculas se arranjam de forma que a gente possa olhar tudo a nossa volta e viver em contato com tudo que existe. E existem muitas coisas. Definitivamente existem muitas coisas.
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Fico sempre muito feliz ao saber que essa publicação é endereçada para pessoas que abrem e leem. Eu tropeço em temas para falar com vocês o tempo todo, tenho muita vontade de compartilhar os sentimentos que eu vivo e as informações mais estapafúrdias com as quais tento traçar um paralelo do que é ser um jovem adulto vivo no Brasil de hoje.
Mais que isso, gosto muito de trocar com vocês essas informações e circunstâncias, porque tento criar aqui um espaço seguro para que as nossas ideias possam acontecer sem muitos julgamentos, tirando aqueles que tentamos vencer a todo momento. Por isso, fique a vontade para responder com a sua opinião.
Agradeço muito a sua atenção. Até a próxima!