Todo finados chove
Eu já devo ter começado muitos textos dessa forma e dado esse título inúmeras vezes também
Olá, como vai você? Faz muito tempo mesmo que essas cartas pararam de chegar. Que eu parei de escrever. Eu quase não escrevo mais. E se for contar o tempo que faz que não escrevo num papel algo maior que linhas com setas e comandos e lembretes, eu não consigo nem lembrar.
Há algum tempo tenho vontade de escrever novamente, mas o próprio Tempo (não as horas, mas elas também, o Tempo com t maiúsculo, como uma entidade que faz nossa pele enrugar, a poeira acumular nos móveis, os corpos desaparecerem e os dinossauros virarem petróleo) tem se encarregado de me impedir.
Escrevo isso em 2 de novembro de 2023, um dia de finados. Todo Finados chove. Me mudei para Brasília em janeiro, eu e o amor da minha vida nos mudamos, viemos trabalhar com o que a gente acredita e isso tem sido um baita desafio, mas vamos focar na chuva. Um amigo querido me manda com certa frequência fotos do Moxuara, uma formação rochosa bonita em Cariacica, minha cidade. Por lá eu ouvia dizer que quando as nuvens se acumulam no topo da montanha é sinal de chuva. Hoje ele me mandou uma foto dessas. Eu respondi que as nuvens ali eram sinal de chuva. Lá talvez chova. Lá onde estão enterrados os corpos de pessoas que eu amei. Pessoas cuja memória eu ainda amo. Andreia me lembrou que todo finados chove.
Hoje eu ainda não chorei. Talvez eu chore, tem sido difícil entender os choros por aqui. De tristeza, de fraqueza, de saudade, de loucura, de desespero, de emoção, de alegria. De que?
Lembrei também com muito carinho que a morte é um tema do qual sempre tento me apoderar. Foi assim que lá quando trabalhava numa redação que hoje também não existe mais resolvi fazer uma matéria sobre suicidio. Resolvi falar disso pelo luto, um sentimento que todos nós vamos sentir eventualmente. O luto é um sentimento? Talvez seja um estado de sentimentos, uma forma de sentir as coisas. Procurei a matéria on-line, mas acho que o jornal deve ter tirado do ar, acho que tenho isso guardado em algum lugar. Não sou bom em guardar essas coisas, ou qualquer coisa. Muitos que assinam aqui talvez já tenham lido, a matéria se chamava A Presença da Ausência. Falava sobre luto por suicidio, entrevistava algumas pessoas, explicava alguns conceitos. Sempre lembro dessa matéria no dia de finados. Todo finados chove.
***
Já entrando nos finalmentes desse texto meio mambembe, feito pelo celular com algum desconforto, para tirar esse fio da penseira, queria deixar uma sugestão com muito carinho. Meu amigo Rafael Braz, jornalista dos mais incríveis que tive o prazer de conhecer e conviver e chamar de amigo, resolveu escrever uma newsletter aqui mesmo nesta plataforma substack. Se você leu esse texto até aqui, que tal assinar lá? Ele fala sobre filmes, séries, música e o que mais ele quiser. O link tá aí embaixo. Por aqui continuo sendo o Wing Costa, mesmo que a gente já não saiba muito bem isso.
Um beijo grande no seu coração.
Ah, Wing, que delícia te ver de novo na minha caixa de entrada! Também eu não tenho escrito há éons, fazer o quê. Sempre gostei da sua escrita sensível sem ser afetada. Que não faz rodeios pra chegar direto no nosso coração.
O Tempo é duro, eu sei, mas se você escrever mais a gente do lado de cá gosta muito. Eu sei que gosto.
Um beijo no seu coração.