Olá, como vai você? Eu espero que esta carta te encontre bem. Tenho usado “bem” assim com aspas para responder a essa pergunta. Tem sido difícil estar bem no Brasil. Mas estar vivo, apesar de todas as adversidades dessa condição, acho que já é bom. Como você responde a essa pergunta tão corriqueira?
.mundos
Um amigo querido me marcou lá no Twitter numa thread (ou fio, qual você prefere?) muito legal. O mais legal foi que ele marcou “para a newsletter”, o que encheu meu coração de alegria por saber que o que eu escrevo para você por aqui reverbera ao ponto de refletir em coisas fora desse nosso diálogo hebdomadário. Vamos ao assunto do fio, que fiquei de contar por aqui com as minhas palavras. Não minhas né, que pretensão, mas da forma como eu entendi a biologia da coisa. Não da coisa, das baleias. Não falei sobre o que era a thread, né? Era uma sequência de tuítes falando dos ancestrais das baleias.
Que as baleias são mamíferos, com isso todos nós já nos surpreendemos em algum momento. Mas o que eu não sabia é que os ancestrais desses animais incríveis vieram da terra. Não do planeta terra, bom, isso também. Mas da terra firme, do ambiente terrestre que não é submarino. O perfil Biodiversidade Brasileira contou a história do Indohyus, animal já extinto que cansou da terra e resolveu encarar as águas frias do mar. É claro que a história não é tão simples assim e envolve muitos ramos da evolução até chegar nas gigantes aquáticas.
As baleias fazem parte do mesmo grupo que vacas e girafas, o grupo dos animais que têm cascos com número par de dedos. Mas as baleias não têm cascos nem dedos como esses animais. Já que ela surgiram do grupo dos artiodáctilos mas são diferentonas, o grupo delas foi chamado cetardiodáctilos.
Há 50 milhões de anos, animais que andavam na terra começaram a viver uma vida na água. Tipo as capivaras fazem hoje. A adaptação foi acontecendo, eles começaram a desenvolver aparatos para viver melhor na água. Ouvir debaixo d’água. Para crescer, ficar com cara de golfinho, passar o nariz para trás dos olhos. E depois viver debaixo d’água.
Ah, mas como o pessoal descobre essas coisas? Eles vão comparando ossos e fazem exames laboratoriais. As baleias que a gente conhece hoje tem ossos vestiginais. Restinhos de ossos que seriam das patas traseiras dos bichos de terra que foram um dia.
A vida como conhecemos veio da água para a terra. Parte da vida na terra decidiu que voltaria para a água. E essa parte é parente nossa. Ou pelo menos faz parte da mesma classe, a classe dos mamíferos. Imagina só aquele bichão fantástico que vive no mar passando por processos gestacionais e de cuidado com os filhotes parecido com o nosso processo humano de gestação e cuidado com os filhotes. Minha mãe morreu quando eu tinha 16 anos.
.afetos
Eu já participei de uma excursão para ver baleias. Não foi em Vitória, onde eu moro, que também oferece turismo de observação de baleias. Foi na Bahia. Foi para fotografar pelo jornal em que eu trabalhava. Foi uma viagem agradável, com colegas jornalistas de diversos lugares do Brasil. Foi nessa viagem que conheci a cachaça de jambu e o Quadrado de Trancoso. Coisas bonitas.
De barco, entramos por três horas para dentro do mar. Todos ficaram enjoados com o balanço do barco. O barco balançava e a linha do horizonte ficava fixa. “Olhe para o horizonte para não enjoar”, falavam os tripulantes. E o balanço do barco continuava. Eu fui um dos últimos a passar mal. E logo depois vimos as primeiras baleias. E os esguichos. E o balé daqueles animais enormes. Os tripulantes diziam que eram animais jovens. Eles ficaram interessados pelo barco e chegaram perto para ver o que estava acontecendo. Que baleia estranha de madeira era aquela cheia de baleiazinhas dentro. Uma nadou muito perto do nosso barco e eu pude ver os espiráculos, orifícios respiratórios da baleia, bem de perto. Parecia um nariz.
Eu nunca gostei de filmes de mar. Eu sei que “Filme de Mar” é uma categoria muito ampla. Mas vai desde Free Willy até Titanic, passando por qualquer desses filmes de desastres ou tormentas. Tem aquele também do navio fantasma que era um sucesso entre os adolescentes fãs de filmes de terror horríveis que alugavam em locadoras de bairro. E tem os Piratas do Caribe. Eu detesto filme de mar.
Eu já assisti e entendo a importância de Titanic ou Cabo do Medo (que não é filme de mar mas tem muitas cenas em um barco na água).
Às vezes eu sinto mais ou menos o que eu senti naquele barco mar adentro, mas em vez do estômago confuso são meus pensamentos. De vez em quando eu não consigo olhar fixamente para o horizonte. Sou tomado por desesperança. Muitas pessoas tem a memória como um lugar seguro para se apegar. Apego é uma palavra importante aqui. Às memórias serviriam como um lugar para se segurar no meio daquele balanço revolto do mar. Para sentir-se firme. Eu comecei a escrever essa carta no dia das mães enquanto me pegava pensando nisso. Muitas pessoas publicaram fotos com as mães, fotos de quando eram crianças e as mães eram aquelas fortalezas vestidas de anos 80 ou 90. Outras fotos eram as mães hoje, bonitonas, senhoras distintas e divertidas. Eu não consigo imaginar como seria minha mãe hoje. E não tenho muitas lembranças de como era antes. O tempo cobrindo os dias de poeira. Foi um dia bem difícil.
Eu espero construir novas e boas memórias para transformar esses dias em momentos de alegria e diversão. Mas enquanto isso vai doendo. E eu me sinto numa sala de espera. Esperando o momento da vida em em que todo esse significado coberto de poeira volte de uma forma diferente.
.polaroid
O perfil @iaanks no Instagram sempre me arranca uma risadinha e uma reflexão sobre algum sentimento mal acabado da minha infância complicada.
Ainda em perfis de instagram que me fazem respirar, o do Marlon Max, o amigo que me marcou na história da evolução das baleias, e o de Bernardo Firme, outro amigo muito querido.
.tchau
Para chegar ao fim dessa carta eu queria contar duas histórias rápidas, mas que poderiam ser uma só. Tanto Marlon quanto Bernardo encontraram um caminho através da fotografia. Conversar com os dois é perceber como foi esse reencontro com eles mesmos.
Conversando com o Bernardo, falei do sentimento de completude, mas para além dele, sentir uma certa existência mágica a partir do que a gente faz, e como a gente conversa com o mundo e uns com os outros. Ele se sente assim com a fotografia. Eu me sinto assim escrevendo carta para você. Para vocês. Para me dizer como se sentem, basta responder esta carta como um e-mail normal. Gosto de saber de vocês, é assim que eu sei como caminhamos juntos nessa conversa.
Eu espero que vocês gostem, de verdade. Se vocês acham que vale a pena compartilhar com um amigo, ajudaria essa carta a chegar a mais gente. O crescimento aqui é orgânico.
Se você chegou aqui através de um compartilhamento, seja muito bem-vindo. Espero que essas histórias tenham sido interessantes e que tenham te feito querer mais. Se quiser acompanhar, assina aqui, é de graça!
Esta foi mais uma carta de Wing Costa,
mas você já sabia disso.